Os direitos sociais e educacionais do portador de transtorno espectro autista no Brasil

Resumo

Em análise aos direitos sociais e educacionais dos portadores do transtorno espectro autista, este trabalho abordará os principais fundamentos da inclusão social e alguns problemas judiciais envolvendo o tema. Portanto, será analisado de forma interligada aspectos de saúde, educação e direitos humanos e sociais, com objetivo de expor a importância do investimento em políticas de inclusão social como meio de capacitação e tratamento destas crianças portadoras de autismo.

Abstract

In an analysis of the social and educational rights of people with autism spectrum disorder, this work will address the main foundations of social inclusion and some legal problems involving the theme. Therefore, health, education, and human and social rights aspects will be analyzed in an interrelated way, in order to expose the importance of investing in social inclusion policies as a means of training and treatment of these children with autism.

Resumen

En el análisis de los derechos sociales y de la educación de los portadores del transtorno espectro autista, este trabajo abordará los principales fundamentos de la inclusión social y algunos problemas judiciales que involucran el tema. Por lo tanto, se analizará de forma interconectada aspectos de salud, educación y derechos humanos y sociales, con el objetivo de exponer la importancia de la inversión en políticas de inclusión social como medio de capacitación y tratamiento de estos niños portadores de autismo.

O direito à saúde e à educação no estado democrático de direito brasileiro

Inicialmente o domínio acerca de um conceito em qualquer discussão expressa-se como um norte seguro. Portanto, ao analisar aspectos sociais e de saúde torna-se imprescindível observar em qual contexto governamental será estudado.

O Estado Democrático de Direito é o paradigma jurídico que sucedeu o Estado Social. Um novo paradigma jurídico de Estado hoje vigente que nasceu com a pretensão de corrigir as falhas do anterior.

No tocante ao Estado Social, destacam-se: a não garantia de justiça social e a participação do povo no processo político.

Portanto, partindo da presente premissa, Moraes ensina que:

O Estado Democrático de Direito, que significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, proclamado no caput do artigo, adotou, igualmente o parágrafo único, o denominado princípio democrático, ao afirmar que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

A Constituição da República de 1988 (CR/88) reverbera em seu texto a enunciação trazida pelo paradigma ora estudado, ao proclamar:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição (Grifa-se).

Ademais, o próprio preâmbulo da Carta Magna de 1988 expressamente contempla o paradigma em epígrafe, ao pronunciar que os constituintes de 1988 reuniram-se com o propósito de instituir um Estado Democrático.

Uma vez que o Estado Democrático de Direito é caracterizado pela democracia, em que o cidadão encontra-se em seu cerne, Soares ensina, “o Estado constitucional molda-se pelos conceitos de direito fundamental, democracia, Estado de direito, primazia do direito e distribuição de competências e poderes do Estado, formulando sua imagem integral”.

O Estado Democrático de Direito ensejou o advento dos direitos de 3ª Geração, conhecidos como Direitos Difusos, conquanto, não afastou os direitos de 1ª e 2ª Gerações, estabelecidos nos paradigmas pretéritos.

Assim sendo, Vanoni, pautando-se na obra do filósofo alemão Jurgen Habermas, conclui que os direitos sociais são direitos fundamentais de 2ª Geração, sendo pressupostos para a participação no discurso democrático (VANONI, Daniel Bofill. São os direitos sociais direitos fundamentais?)[3].

Destarte, a CR/88, em seu art. 6º, apresenta o rol de direitos sociais, estando incluído nesses os direitos à educação e à saúde. Senão, vejamos:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015). (Grifa-se).

Assim sendo, surgiram os direitos sociais com o intuito de criar para o Estado a obrigação de prestar serviços públicos essenciais, que preconizam a igualdade material. Neste sentido, cumpre destacar o aspecto mandatório e não opcional da norma, ou seja, os direitos sociais a educação e saúde dentre outros elencados deverão ser garantidos pelo Estado.

A aplicação dos métodos educacionais como meio de inclusão social

Conforme prevê o artigo 208 da CR/88, a educação infantil é um direito constitucional de todas as crianças que vivem no Brasil. Contudo, desde a consolidação constitucional do referido direito, foram realizadas alterações no mencionado dispositivo e criação de novas leis, no objetivo de aprimorar o direito fundamental à educação, interligando-a integração e inclusão social de crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais.

O artigo 7° da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o compromisso com a adoção de medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência, o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidade com as demais. O documento internacional também resolveu a polêmica da coexistência entre um sistema segregado de educação, que se baseia na condição de deficiência, e um sistema comum, que reconhece e valoriza a diversidade humana presente na escola, ao explicitar que o direito das pessoas com deficiência à educação somente se efetiva em sistemas educacionais inclusivos, em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.

Desde então, o país conta com legislação específica acerca do tema destacando-se a resolução nº 5/2009, do Conselho Nacional De Educação (CNE), que estabeleceu diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil (DCNEI), adotando os pressupostos de educação inclusiva. A ideia central a partir de então é que as creches e pré-escolas passassem a se constituir em estabelecimentos educacionais, públicos ou privados, destinados à educação das crianças de 0 (zero) a 5(cinco) anos de idade, por meio da implementação de proposta pedagógica elaborada e desenvolvida por professores habilitados, com objetivo de aplicação de métodos educacionais que oportunizasse a inclusão social.

Ultrapassada a fase de legalização de um direito fundamental básico, inerente ao ser humano, que inclusive deveria ser aplicado independente de imposição legal, passou-se aos desafios de quais seriam esses métodos, e como deveriam ser aplicados no objetivo concretizar à educação inclusiva.

O principal cerne da questão, é que muito embora estratégias de aprendizado e capacitação de professores e profissionais da educação seja um fator preponderante para a criação destes métodos não existe um manual específico para cada tipo de diversidade, por quanto, cada criança, é única, e diferenciada; e da mesma forma são suas limitações e potencial de aprendizagem. É por essa razão, que o principal método educacional deve ser: a observação e o afeto.

Antes da aplicação de qualquer estratégia educacional no objetivo de “ensinar conteúdos”, e consolidar a educação inclusiva nas escolas, é necessário estabelecer um elo entre a escola, familiares e sociedade, uma vez que esta parceria favorece tanto a educação inclusiva, como situações de conflito e resistência.

Estabelecida essa diretriz- parceria é possível caminhar na busca pelo melhor método de ensino a cada aluno portador de espectro autismo, aplicando-se os existentes e encontrando novas e melhores estratégias de aprendizagem.

O ensino estruturado é uma ferramenta fundamental para o eficaz aprendizado do autista. Surgido na década de 70 (setenta) e desenvolvido por Eric Schopler e seus colaboradores, o ensino estruturado consiste em ensinar técnicas comportamentais e métodos de educação especial a crianças autistas, a fim de que respondessem as suas necessidades, muitas vezes impossibilitadas pela dificuldade na comunicação.

O método de ensino estruturado procura tornar o ambiente em que o aluno se insere mais previsível e acessível, minimizando reações a grandes mudanças no ambiente físico e comportamentais. Portanto, visa melhorar sua autonomia através de capacidades adaptativas, participação na escola junto aos colegas de turma, almejando a inclusão na sociedade.

Normalmente, à medida que vão se desenvolvendo, as crianças vão aprendendo a estruturar seu ambiente, enquanto que os autistas e outras pessoas com distúrbios difusos do desenvolvimento precisam de uma estrutura externa para otimizar uma situação de aprendizagem (GURGEL, 2012).

Consequentemente, o método traz segurança, confiança e ajuda a criança criar meios de acesso a outras pessoas, potencializando sua capacidade. Esse acesso vem por meio da comunicação, tão fundamental para proporcionar a interação social. Acredita-se também que, muitos transtornos de comportamento surgem da incapacidade ou da dificuldade de se comunicarem. Dessa forma, os métodos focam muito nas atividades que possibilitam a comunicação do autista com as pessoas que o cercam.

Alguns aspectos são extremamente importantes para possibilitar o ensino estruturado, como a estrutura física; organização do tempo; plano de trabalho; e cartão de transição. Um método muito difundido do ensino estruturado é o TEACCH, cujo foco é o ensino de capacidade de comunicação, organização e partilha social, (BRASIL, 2008) tal método centra-se nas áreas de processamento visual e interesses especiais, explorando-as a favor de aprendizagens rotineiras.

Cada criança, independentemente de ser portadora de espectro autismo reage de maneira distinta a estímulos semelhantes, portanto, é crucial que haja uma avaliação individual de cada comportamento, o que evidencia a necessidade do método da observação, exposto anteriormente, e confirma a ideia do afeto para que a criança se sinta acolhida no ambiente escolar.

O método da observação aqui terá fundamental importância para verificar se a criança tem dificuldades de manter-se concentrada, de forma que suas atividades não ultrapassem suas condições cognitivas, e se verificado que sim, inicialmente, devem durar menos tempo que o exigido, sendo acrescentado mais tempo a cada tentativa, até que ela possa cumprir o tempo necessário para a atividade sem causar-lhe estresse ou irritação.

O professor na qualidade de educador terá importante missão de adequar o seu sistema de comunicação a cada aluno, respectivamente, sendo que o planejamento proposto será positivo se for construído levando-se em conta os pontos fortes e fracos, ou tentar algo que a criança ainda não era capaz de fazer, concedendo-lhe a oportunidade de fazê-lo.

A ideia central da aplicação de métodos diferenciados as crianças com necessidades especiais de aprendizagem não é buscar a homogeneidade da classe escolar, nem mesmo evidenciar as diferenças, mas sim, proporcionar a integração social dessas crianças com potencial diferente de aprendizagem, propiciando meios de inclusão social.

A aplicação de tais métodos não tem apenas um importante papel na consolidação do modelo de escola inclusiva mais que isso, eles trazem consigo a possibilidade única de afastar o sentimento de “estranheza”, pois a educação inclusiva não nega as dificuldades dos alunos com espectro autismo, porém lida com as diferenças não como problemas, mas como diversidade, propiciando a integração e inclusão social.

O autismo e a visão da neurociencia

O portador da síndrome do Autismo, também chamada de TEA (Transtorno Espectro Autista) tem algumas limitações cerebrais que devem ser observadas no aspecto educacional e de inclusão social.

O psiquiatra austríaco Leo Kanner, foi o primeiro a diagnosticar o autismo depois de estudar por alguns anos vários casos de crianças que tinham dificuldade de memorização e dificuldade de interagir com as pessoas. O psiquiatra concluiu um artigo intitulado: “Autistic disturbances of affective contact[1]”.

O pesquisador estudou um grupo de crianças com características comportamentais peculiares, podendo verificar a diferença da esquizofrenia e portadores de autismo.

Segundo Kanner:

Desde de 1938, tem tomado nossa atenção o número de crianças com condições diferentes marcadamente e relatado de forma única, que cada caso merece – e, eu desejo eventualmente receberei – detalhadas e fascinantes peculiaridades.

KANNER,1943. p.01

Todas as atividades e elocuções das crianças são governadas de forma rígida e consistente pelo poderoso desejo de solidão e mesmice. O mundo deles deve parecer composto de elementos que, uma vez de se tornarem experientes em uma determinada configuração ou seqüência, não podem ser tolerados em nenhuma outra configuração ou sequência; nem o cenário nem a ordem cronológica. Daí a repetitividade obsessiva. Daí a reprodução de frases sem alterar os pronomes para se adequarem à ocasião. Daí, talvez, também o desenvolvimento de uma memória verdadeiramente fenomenal que permita à criança recordar e reproduzir padrões complexos de “disparate”, por mais desorganizados que sejam, exatamente da mesma forma que a originalmente interpretada.

KANNER,1943, p.259

Como relatado o comportamento solitário, a dificuldade de interação, bem como a dificuldade de reprodução e compreensão de novos conhecimentos são as características observadas dos portadores de espectro autista. Alguns autores expõem que os neurônios espelhos em pessoas autistas possuem uma disfunção, esta parte cerebral que é responsável pela realização de atos diante da observação da ação de outra pessoa, por isso a dificuldade de execução de algumas atividades, por conseguinte diante de repetições as tarefas se tornam possíveis e facilita o entendimento deles.

Neste sentido, Marcus Pfeiffer expõe:

O sistema do neurônio espelho humano (SNE) pode ser definido como o lugar da região cerebral que está ativo tanto quando um participante realiza um determinado ato, como quando observa outra pessoa fazer o mesmo ato. Há uma alegação de que a disfunção do sistema do neurônio espelho em indivíduos com condição de espectro autista causa dificuldades na interação e comunicação social.

Diante destes aspectos clínicos nota-se que uma criança autista terá certas limitações e necessita de uma mediação educacional que favorecerá  melhor absorção de um novo conteúdo, bem como auxiliará na socialização e prática do conhecimento absorvido, o que será certificado e relatado pela equipe interdisciplinar que trata estes casos, formado normalmente pela terapeuta ocupacional, fonodiologa e neurologista.

A inclusão social do autista na sua regular educação é de suma importância, pois facilitará ao professor à transmissão do conteúdo e do menor portador o recebimento deste conteúdo de forma diferenciada e mais atrativa as suas percepções.

Cumpre destacar as palavras de Stela Marques:

Assim, investir em estímulos adequados às especificidades de cada aluno, mediante práticas pedagógicas dinâmicas e enriquecedoras, poderá promover a formação de cidadãos mais autônomos, críticos e criativos, habilidades essenciais na realidade do século XXI.

Os autistas aos serem facilitados em seu acompanhamento escolar terá maior habilidade e segurança para expor o conteúdo aprendido, além de conseguir reagir melhor os estímulos, bem como destacando no aprendizado de suas habilidades. Portanto, uma criança autista que recebe este amparo obterá mais chances de se tornar futuramente um adolescente, jovem ou adulto capacitado e apto as tarefas diárias.

As dificuldades enfrentadas pela inclusão social na atualidade

Mesmo sob a garantia legal, podemos encaminhar o conceito de diferença para a vala dos preconceitos, da discriminação, da exclusão, o que não tem sido diferente com as políticas inclusivas de educação escolar.

Isso porque, não obstante a previsão constitucional e leis esparsas que versem sobre a inclusão, tendo inclusive sido promulgada a Lei 12.764/2012 (institui a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista), a imposição legal, não se revela suficiente para eficácia e efetividade plena da norma na sociedade, desvinculada de políticas assertivas de conscientização, ela é apenas uma imposição, sem eficácia normativa, nada mais!

O principal desafio enfrentado pela inclusão é o distanciamento do “rótulo”, enraizado e intitulado naqueles que são diferentes do que se considera padrão. A diminuição da distância criada entre os tidos como “normais”, e os que a sociedade afasta por intitulá-los como “os anormais”, os “menos capazes”.

No que se refere ao preconceito não se mede palavras, não se procura fazê-lo de forma polida, elas devem vir como grito de protesto, mais que isso, um alerta a uma sociedade que precisa mudar e se adequar de forma a integrar os excluídos, e promover a inclusão social.

Tal preconceito é praticado por profissionais de todas as áreas, que se escondem por detrás de falsos discursos, e ideais de inclusão, que nunca praticaram e nem pretendem praticar em seu meio social, porque tem dificuldade de se abrirem para o diferente, de ampliarem seus conceitos e conhecimentos, porque entendem ser mais fácil e cômodo excluir.

Não obstante a já mencionada previsão constitucional, a Resolução de n° 24/2013/MEC, art. 7° da Lei 12.764/12, vinculada a inúmeras outras, apenas demonstra o óbvio, a falta de eficácia de direitos como: igualdade, respeito, acesso à saúde e educação inerentes a todo cidadão.

Tanto respaldo legal, evidencia a ausência de eficácia de direitos constitucionais inerentes aos portadores de espectro autismo, pois foi necessário um inchaço na legislação para que de uma alguma forma se fiz esse tentar cumprir direitos e deveres, que sequer necessitaria de uma norma regulamentadora, se vivêssemos em uma sociedade de fato inclusiva.

Não obstante a extensa legislação que resguarda os direitos dos portadores de espectro autismo de terem acesso à saúde, as políticas inclusivas e em especial o acesso à educação em escolas regulares com atendimento diferenciado, é possível ainda encontramos institutos educacionais tanto na rede pública, como privada que negam ou limitam as formas de acesso à educação inclusiva.

Cumpre destacar, que lamentavelmente o ensino regular público é precário no atendimento ao ensino e as necessidades das crianças portadoras de necessidades especiais. A Lei 12.764/12 apresenta a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, além de considerar como uma deficiência também expõe uma série de direitos, dentre eles:

Art. 3o  São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

Parágrafo único.  Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante especializado.

BRASIL, 2012

A função teleológica da norma é garantir o devido amparo educacional ao portador de autismo, porém nota-se que por uma lacuna legislativa o inciso IV do art. 2O da Lei 12.764/12 foi vetado, logo muitas divergências tentam questionar este direito exposto no parágrafo único.

Com a Lei 13.146/2015, denominada como Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência, expõe inúmeros aspectos para tutela dos direitos dos portadores de necessidades especiais, quanto a educação prescreve:

Art. 27.  A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.

O texto ao expor que é um dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade. O texto é imperativo, quanto ao verbo dever, porém ainda é de fácil percepção atos discriminatórios, que tentam se desvencilhar em detalhes legislativos para mascarar o preconceito, o que é lamentável. A norma é clara em colocar a imposição ä comunidade escolar, seja ela pública ou privada e também a sociedade, ou seja, você leitor também está incluído nesta norma.

Porém, em recente decisão proferida no ano de 2017, pela 8ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG, mesmo após a promulgação de legislação mencionada em especial a Nota Técnica do MEC de n° 02/212 que completa as disposições inerentes à Lei 12.764/2012, que trata do dever do Estado de tutelar os direitos das crianças com necessidades especiais de aprendizado e espectro autismo, impondo a obrigação tanto a escolas públicas e privadas de receberem crianças nessas condições e proporcionar a elas todos os meios necessários a inclusão social, o menor J.P.N, teve negado o acompanhamento de monitor em sala de aula pela instituição de ensino particular em que estudava, mesmo tendo seus genitores se prontificado a arcar com todos os custos, e responsabilidade cíveis e trabalhistas deste profissional especializado para acompanhá-lo pedagogicamente em sala de aula.

Não obstante a violação das normas que resguardam os direitos das crianças portadoras de espectro autismo pela instituição de ensino, que deveria estar inteirada das normas pedagógicas e políticas inclusivas; causou espanto maior, a decisão proferida pela 8ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte/MG, que indeferiu o pedido liminar em sede de tutela de urgência de natureza antecipada, para autorizar o profissional especializado para acompanhar pedagogicamente o menor, in verbis:

A Lei 12.764/2012 institui políticas para proteção dos direitos das pessoas com autismo. A maioria de suas disposições precisam ser regulamentadas, pois não são autoaplicáveis. A previsão do parágrafo único do artigo 3º remete ao inciso IV do artigo 2º, que foi vetado.

Por outro lado, faz-se necessário a oitiva da parte contrária para se formar a convicção sobre o assunto, principalmente porque os autores querem que a escola aceite a presença de um profissional estranho aos seus quadros, o que pode trazer implicações tanto trabalhistas quanto em relação aos demais alunos.

A escola possui responsabilidade com diversas outras crianças e pais de alunos, ela não pode simplesmente se compelida a aceitar um profissional contratado pela família, sem cercar-se de precauções. Não me parece nem um pouco correto que o juiz imponha que a instituição recebe (sic) um estranho em seus quadros, para permanecer diariamente na sala de aula com a criança J., sem oportunizar lhe o contraditório e a defesa.

Assim, INDEFIRO O PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. – sem grifos no original. (TJ/MG, 8ª Vara Cível-Autos de n° 51029.25.84.2017.8.13.0024)

A frágil alegação destacada na decisão judicial de 1° grau foi refutada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2ª instância, que reformou a decisão mencionada, in verbis:

Não soa razoável impedir o adequado atendimento da criança portadora de necessidades especiais em instituição de ensino particular, sob o pretexto de que não pode ser autorizada a entrada de um monitor, estranho aos quadros profissionais da escola. Como já dito, é dever também da escola particular promover a educação inclusiva e providenciar monitores individuais para os alunos que tenham essa necessidade. Se a ré não está cumprindo tal obrigação, o mínimo que deve fazer é diligenciar, imediatamente, estruturando-se para receber adequadamente o monitor particular dos autores.- sem grifos no original. (TJ/MG, 8ª Vara Cível- Autos de n° 51029.25.84.2017.8.13.0024- 1.0000.17.070716-0/001., 15ª Câmara Cível – data da publicação 25/08/2017).

Importa mencionar que não obstante todo respaldo e aparato já legal mencionado, o STF (Superior Tribunal Federal) já havia se manifestado expressamente sobre o dever das escolas particulares de realização do direito fundamental à educação inclusiva, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015 (arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015). 1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita a dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. Nessa toada, a Constituição da República prevê em diversos dispositivos a proteção da pessoa com deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V, 208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244. 4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra histórica, uma leitura focada tão somente em seu aspecto formal não satisfaz a completude que exige o princípio. Assim, a igualdade não se esgota com a previsão normativa de acesso igualitário a bens jurídicos, mas engloba também a previsão normativa de medidas que efetivamente possibilitem tal acesso e sua efetivação concreta. 5. O enclausuramento em face do diferente furta o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da estupefação diante do que se coloca como novo, como diferente. 6. É somente com o convívio com a diferença e com o seu necessário acolhimento que pode haver a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que o bem de todos seja promovido sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB). 7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas, mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 8. Medida cautelar indeferida. 9. Conversão do julgamento do referendo do indeferimento da cautelar, por unanimidade, em julgamento definitivo de mérito, julgando, por maioria e nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin, improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.(ADI 5357 MC-Ref, Relator(a):  Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-240 DIVULG 10-11-2016 PUBLIC 11-11-2016)

Tal disparate, acometido pela instituição de ensino e também pelo judiciário (1ª instância) apenas evidencia o óbvio; a ausência de eficácia das normas legais, o despreparo das escolas, e o descaso do judiciário, que deveria ser o tutor de tais direitos, resguardando-os e fazendo-os aplicáveis, contudo, demonstrou-se contraditório e despreparado para assegurar o direito fundamental à educação e inclusão social inerentes as crianças com espectro autismo.

A falta de preparado, para lidar com referida situação, em especial destaca-se as instituições de ensino, por terem relevante, e importante papel na inclusão social, encontra-se atrelada ao comodismo de alguns profissionais que tentem a buscar a homogeneidade da classe estudantil, num padrão retrogrado de educação, e não buscam se adaptar a novas realidades, ou mesmo ousar meios e métodos de aperfeiçoamento, que permita o ensino-aprendizagem a todos os tipos alunos, o que torna a situação ainda mais grave e preocupante.

Na perspectiva de inclusão, as políticas assertivas de conscientização social, e o incentivo e custeio inclusive governamental na capacitação do professor, no objetivo que este consiga lidar com situações adversas, tem importante e fundamental papel neste processo. Dentre as formas de inclusão a educação inclusiva na escola, tem crucial importância na vida das crianças com espectro autismo, pois é na escola que se inicia o processo de convivência social, também é através dela que se desenvolve o potencial intelectual e profissional de cada um. Todavia, atualmente também é nela que se apresentam as principais dificuldades para inclusão social.

Tal dificuldade de inclusão no âmbito escolar vem do fato de exigir uma mudança de paradigma educacional. Na perspectiva inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas escolares em modalidades de ensino especial e de ensino regular. As escolas atendem às diferenças sem discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos, sem estabelecer regras específicas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avaliação da aprendizagem para alunos com deficiência e com necessidades educacionais especiais).

Vale ressaltar, que a Lei 13.146 apresenta alterações importantes na lei 7.853/1989, que seu art. 8o passa a ter a seguinte redação:

Art. 8o  Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa:

I – recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência;

BRASIL, 2015

Constitui crime recusar e cobrar valores adicionais em estabelecimentos de ensino de qualquer curso ou grau, seja ele público ou privado. Todavia, muitos ainda negligenciam e praticam atos deploráveis discriminatórios.

Outra dificuldade é de alguns professores que se consideram incompetentes para lidar com as diferenças nas salas de aula, especialmente atender os alunos com deficiência, pois seus colegas especializados sempre se distinguiram por realizar unicamente esse atendimento e exageraram essa capacidade de fazê-lo aos olhos de todos (Mittler, 2000), o que corrobora com a importância na capacitação desses profissionais.

Há ainda a alegação dos professores, que de certa forma são embasados por um desestímulo profissional de falta de recurso e investimento do governo, frisam ausência de estrutura física, e metodológica, porém é importante que antes de tudo se tenha interesse e um olhar voltado para o próximo, como uma oportunidade única que todos temos de superar barreiras, ausência de recursos, condições adversas e afins.

Destaca-se ainda um movimento de pais de alunos sem necessidades especiais de aprendizagem, que não admitem a inclusão, por acharem que as escolas vão baixar e/ou piorar ainda mais a qualidade de ensino se tiverem de receber esses novos alunos.

Em resposta as velhas e refutadas alegações de que a escola não possui estrutura, não conta com profissionais capacitados para tanto; é a escola que tem que mudar e não os alunos para terem acesso a ela! A escola em seu papel fundamental de propiciar o acesso à educação garantia constitucional prevista a todos os cidadãos, seja as escolas públicas ou privadas, pois devem se adaptar as necessidades e diversidades humanas e sociais, tal reforma em sua estrutura e maneira de ensinar pode ser comparada a uma família que recebe um filho autista.

Que pai e qual mãe se preparou para ter um filho com espectro autismo? Contudo, ao recebê-lo em sua maioria, o tratam com todo amor e carinho, e adapta a sua casa, os seus afazeres e rotinas, adequando-a a necessidade daquela criança, tal adaptação será sempre continua, assim também deve ser a escola e a sociedade como um todo.

É justamente o preconceito enraizado e a falta de interesse e comodismo em se adaptar ao diferente, que torna a inclusão social tão difícil. Nos dizeres de Silva (2000) a diferença, nesses espaços, “é o que o outro é” — ele é branco, ele é religioso, ele é deficiente. “É o que está sempre no outro, que está separado de nós para ser protegido ou para nos protegermos dele. Em ambos os casos, somos impedidos de realizar e de conhecer a riqueza da experiência da diversidade e da inclusão.

O olhar crítico para a história da humanidade revela, com muita clareza, que nenhuma sociedade se constitui bem sucedida, se não favorecer, em todas as áreas da convivência humana, o respeito à diversidade que a constitui. Nenhum país alcança pleno desenvolvimento, se não garantir, a todos os cidadãos, em todas as etapas de sua existência, as condições para uma vida digna, de qualidade física, psicológica, social e econômica.

Conclusão

Diante das necessidades educacionais das crianças portadoras de autismo, bem como dos preceitos do Estado Democrático de Direito que garantem educação e saúde aos cidadãos, observa-se, porém muitos embates principalmente no que se refere à educação pública ou privada quanto a não atendimento as necessidades especiais dos menores autistas.

As políticas de inclusão social e educacional a estas crianças autistas são de extrema importância e devem ser objeto de apoio político e social, eis que uma criança autista com um amparo escolar apropriado poderá auxiliar no seu desenvolvimento intelectual. Esta criança autista com um amparo de um mediador escolar poderá ter menos chances de se tornar um jovem ou adulto incapacitado, neste caso, o ônus será imposto a toda sociedade, por conseguinte trata-se um caso de saúde pública o que deve sensibilizar não somente os governantes, mas empresários atuantes do setor privado de ensino, bem como toda sociedade.

A tutela dos direitos sociais deve ser defendidos por todos com uma visão humanitária e com objetivo de propiciar uma educação digna às crianças autistas, o que consequentemente impactará no futuro, com jovens e adultos mais capacitados.

Bibliografia

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